Numa parte mais delicada da análise, percebemos que a boca é reta, com os lábios finos e muito firmes. É uma firmeza na qual não existe uma gota de amargura.
Pelo contrário, há um certo sorriso indefinível. Falam tanto do sorriso da Gioconda, mas isto é que é sorriso! Ela não está nem um pouco sorridente, mas há um sorriso indefinível nos lábios dela. Há qualquer coisa nela que sorri, sem que se possa propriamente dizer que ela está sorrindo.
Tem-se a impressão de que o fotógrafo disse a ela para sorrir, e ela, para não desatender a ele, esboçou qualquer coisa vagamente à maneira de sorriso.
Há algo de sorriso espalhado no rosto dela: está um pouco nos olhos, um pouco nos lábios, está numa afabilidade geral da pessoa. Ela está numa posição muito afável e muito acolhedora, numa posição de muito boa vontade em relação a todo mundo.
No entanto, é uma atitude risonha que indica ao mesmo tempo força de alma e caráter, no sentido próprio da palavra.
É o contrário dessas imagens sulpicianas de Santa Teresinha que se encontram por aí: derramando rosas, e sorrindo não se sabe de que jeito. Não têm nada deste sorriso.
Aquele é um sorriso de boneca de louça, mas esta aqui não tem nada da boneca de louça.
É um sorriso por detrás do qual há um pensamento. E é o lado pensamento que propriamente se deve atingir.
O nariz tem uma forma um pouco proeminente, tem um pouco de combate, um pouco de luta.
Os lábios, apesar do sorriso, são finos e firmes, de quem tem verdadeiro caráter.
Analisando-se a testa, vê-se que é ligeiramente bombeada e, aliás, muito alta. A pessoa que a penteou, até puxou o cabelo para baixo, para disfarçar isso. Vê-se que ela tinha até muito cabelo.
Eu vi no museu de Lisieux a trança dela, uma trança loura magnífica, de cabelos abundantes. Mas a nascente era um pouco alta.
Considerando agora os olhos, observa-se que é sobretudo neles que reside aquele sorriso.
Notem que a expressão de fisionomia, a expressão do olhar, tem um pouco do que o francês chama de espiègle ‒ um pouco de esperteza, um pouco de graça ‒ na expressão do olhar.
Concentrando-se a atenção nos olhos, acaba-se percebendo que há nesse olhar todo um firmamento, um mundo de reflexão, de início de reflexão.
Para quem é que esse olhar está mirando?
Ele não olha para nada definidamente. Mira um ponto vago, indefinido, mas com uma espécie de enlevo, de consideração, de contemplação enlevada, afetuosa, respeitosa.
Em última análise, é o próprio de um espírito possantemente contemplativo. Na sua aurora, na sua primavera, é verdade, mas possantemente contemplativo, meditativo, interior, próprio a olhar as coisas do espírito, a olhar as coisas metafísicas, a olhar horizontes mentais mais ou menos infinitos.
É um olhar que paira no infinito, numa esfera completamente diferente daquela onde paira comumente o pensamento dos homens.
Santo Agostinho disse de si, nas “Confissões”, a respeito da sua infância: “Tão pequeno menino eu era, já tão grande pecador”.
Dela se poderia dizer: “Tão pequena menina era, e já uma tão grande santa”. Porque o seu olhar tem qualquer coisa que me custa exprimir adequadamente, mas que é aquela impostação da alma em coisas que são inteiramente superiores. Não indiferentes, nem hostis, nem alheias, mas superiores ao concreto, ao contingente, ao transitório, ao passageiro, ao individual.
Não é uma pessoa preocupada consigo. Ela aqui não se importa com o efeito que vai causar no fotógrafo; está de pé, do modo como ela é.
Disseram a ela que fosse posar para uma fotografia, e ela foi, obediente como os meninos do Evangelho, que Nosso Senhor acariciou, e aos quais é reservado o Reino dos Céus (Mat. XVIII, 3).
Não é uma menina filósofa, nem um pouco. Seria uma caricatura. Ela não é vesga, está numa pose e prestou atenção na máquina fotográfica, mas é como numa parte do rés-do-chão da alma dela.
Por cima desse rés-do-chão, que funciona perfeitamente bem, há toda uma outra construção.
Nessa idade, ela poderia dizer a nós aquilo que Nosso Senhor disse, pela boca do profeta Isaías, e que é uma das frases mais tristes, uma das suas queixas mais bonitas, onde a divina superioridade dEle se afirmou do modo mais magnífico: “As minhas cogitações não são as vossas cogitações, nem as vossas vias são as minhas vias” (Is. LV, 8).
É magnífica essa ligação das idéias de cogitação e via: a cogitação do homem como que dirigindo a sua via, e sendo prenúncio de todas as harmonias da via. E a elevação das cogitações dEle!
Pensem um pouco no Santo Sudário. Que cogitações! Aquilo é cogitar! Que vias! Aquela face do Santo Sudário não poderia dizer para nós as mesmas palavras de Isaías? Poderia, perfeitamente.
Santa Teresinha aqui também poderia nos dizer ‒ Christianus alter Christus ‒ que “as minhas cogitações não são as vossas cogitações, nem as vossas vias são as minhas vias”.
Caberia que ela o dissesse. Por quê? Porque ela está numa impostação de alma supinamente meditativa, pouco comum.
Ela aqui é toda sacral (“sacral” é aqui empregada no sentido do sagrado posto na ordem temporal ou profana). Não é a meditação de uma filósofa ou de uma teóloga, mas de uma santa.
É a oração ‒ que propriamente é o convívio da alma com Deus ‒ que está posta aí.
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